Mas que absurdo!

Mas que absurdo!
O filósofo Albert Camus provoca uma reflexão sobre o sentido da vida, ou se ela precisa ter algum

Andei pensando uma coisa: a época em que vivemos é contraditória. Afinal de contas, não há como deixar de se notar que no mundo atual se abrem uma série de intensos conflitos no espírito humano, ou, em outras palavras, uma crise. E não é muito difícil de confirmar isso. Basta olhar em volta: uns buscando resolubilidade em psicoterapias, outros na religião, alguns em livros de autoajuda, outros em elaborações intelectuais das mais variadas. Mas, mesmo assim, muitos um tanto quanto perdidos ou em um desespero silencioso. Confirmando então que vivem em crise — e daqueles tipos que os levam a busca por novos valores que norteiem suas vidas e lhes deem algum propósito do porquê viver.

Em verdade, quem sabe, o grande problema humano sempre resida justo nisso: no sentido da vida. Todos se deparam com essa questão e todos, de uma maneira ou de outra, acabam buscando tal sentido por meio da ciência, da crença em algo ou mesmo da filosofia. Todavia, isso também são apenas exemplos. A primeira pergunta que fica então de verdade é a seguinte: tendo tudo isso ao seu favor, como pode ainda o ser humano se enlouquecer por falta de direção ou mesmo propósito? A segunda: por que estou falando disso?

Bem, respondo pelo menos a segunda questão com o seguinte: sou um grande fã do filósofo franco-argelino Albert Camus, e não me esqueço que quanto ao sentido da vida ele quis, ao modo dele, inverter tal questão. Para ele a vida não tem sentido – pelo menos não um sentido exterior. Em verdade, para Camus a vida mais bem vivida seria aquela que menos sentido tivesse. É claro, lendo isso superficialmente parece estranho, mas não é. Para esse filósofo a vida é absurda, a condição humana é permeada por isso, ou em outras palavras, é contraditória. E em especial no seguinte ponto: que a razão humana mesmo desejando, jamais compreende tudo devido a um universo que de tão vasto se impede de ser plenamente entendido. Tentamos e tentamos abranger tudo, a vida em sua totalidade, seu sentido, mas isso é demais para nós. E eis o absurdo: a defasagem entre aquilo que desejamos, a vida real e nossa limitada capacidade de compreender a realidade.

Em 2013, no aniversário de 100 anos do filósofo, o Google lhe prestou uma homenagem.

E por isso da mesma forma então como pensou Camus, enquanto refletia sobre o absurdo, ele trouxe também à tona a mitologia grega na figura de Sísifo. O motivo disso, de Camus evocar Sísifo, é o seguinte: esse personagem, um mortal, acabou sendo condenado pelos deuses a rolar eternamente uma grande pedra montanha acima para, quando quase lá no cume, acabar vê-la rolando novamente ao chão, obrigando-o a reiniciar sua tarefa infinitas vezes mais. Que relação teria Sísifo e sua história com o absurdo? Tudo. Afinal, essa tarefa de Sísifo é extenuante e sem sentido — da mesma forma como a vida humana é, uma luta constante pela busca da realização, muitas vezes efêmera, de algo.

Porém, não por ventura então que mesmo pensando em Sísifo, diz Camus, é preciso ainda sim imaginá-lo feliz. Que apesar de se ver obrigado a sua cansativa tarefa com sua pedra, dela, dessa sua sina, ainda sim extrai alegria. E por quê? Bem, tal mito não passa de uma alegoria que visa refletir o cotidiano humano: pessoas, como o herói grego, fazendo praticamente todos os dias às mesmas coisas, vivendo por vezes uma rotina quase inabalável – rolando infinitas vezes também suas rochas. A vida pode até não ter sentido, um sentido exterior que sejamos capazes de compreender, mas isso não impede que ninguém por si só, a partir de si, dê um sentido para si mesmo e sua própria vida.

Com isso a lição de Camus para o absurdo — ou mesmo como sugeri no início, em crise — homem moderno talvez então resida em demonstrar sua fragilidade, as dicotomias que permeiam sua vida, suas limitações, a necessidade de se viver o presente e compreender que os sentidos da vida se encerram naquele que os confere — algo de certo modo até mesmo óbvio, mas que poucos realmente têm verdadeira consciência ou vivem. Em outras palavras: olha, nem tudo precisa fazer sentido, então relaxe e aproveite o dia a dia, sua jornada.

Albert Camus faleceu em 1960 em uma viagem de carro a Paris. O automóvel no qual viajava se desgovernou e bateu em uma árvore matando-o. Uma morte trágica e insensata. Era jovem, tinha apenas 46 anos e, provavelmente, ainda teriam muito tempo de vida e muitos livros para escrever. Três anos antes do acidente que o vitimou, havia recebido o Nobel de Literatura. Sem dúvida uma morte incompreensível, ou usando uma palavra tão comum a ele, absurda. De toda forma deixou seu legado, em seus escritos uma tentativa sincera de ajudar o ser humano a se lapidar. Não é à toa que certa vez quando questionado sobre o futuro da humanidade e sobre o que deveria ser feito para se conseguir um mundo menos oprimido pela necessidade e mais livre, ele simplesmente respondeu:

— Dar, quando possível. E não odiar, se possível.

Para saber mais:
CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Rio de Janeiro: Record, 2008.
TODD, Olivier. Albert Camus: Uma Vida. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Uma resposta para “Mas que absurdo!”

  1. […] acaso, senti nostalgia ao pegar novamente em minhas mãos um dos livros de Freud, a biografia de Albert Camus ou mesmo Admirável Mundo Novo. Enfim, quando vi me perdi. Acabei sentado no chão, encostado na […]

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