Crítica | Platoon, de Oliver Stone

Crítica | Platoon, de Oliver Stone
Platoon criou algo que não apenas retrata a brutalidade da guerra, mas também explora as profundezas da alma humana em tempos de conflito extremo

Toda guerra é um evento significativo. Principalmente para aqueles envolvidos nela. Nos anos 60 o jovem e futuro diretor de cinema Oliver Stone participou da Guerra do Vietnã. Naquele país, em meio as fileiras de soldados norte-americanos, experimentou a guerra em seus altos e baixos — foi ferido, mas também recebeu condecorações. Tal envolvimento nesse conflito lhe deixou marcas que décadas mais tarde seriam expostas nas telas dos cinemas.

Platoon, lançado em 1986, busca uma representação crua e carregada de desilusão daquilo que uma guerra submete seus participantes e naquilo em que ela os converte. A obra, que conquistou quatro Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Diretor, aborda as complexidades morais e os horrores enfrentados pelos soldados em um dos capítulos mais conturbados da história americana.

No filme, acompanhamos o jovem Chris Taylor (Charlie Sheen). Ele é um novato recém-chegado ao Vietnã e que busca adaptar-se ao pelotão de infantaria do qual faz parte, assim como a todas as dificuldades que um soldado enfrenta em uma guerra. Um fato curioso de se observar sobre esse ator é que o pai dele, Martin Sheen, alguns anos antes, em 1979, também estrelou uma grande obra que buscava narrar os eventos da Guerra do Vietnã: Apocalipse Now, de Francis Ford Copolla.

Muito antes de dirigir seu primeiro filme, o diretor Oliver Stone lutou no Vietnã.

Vale ressaltar que devido ao fato dessa ser uma produção que visa demonstrar determinadas nuances da guerra, o filme, que se mostra violento e brutal em muitas cenas, torna-se em outros momentos reflexivo e comovente. Principalmente na medida em que Chris narra suas vivências no front em cartas aos familiares: muitos (soldados) não têm nada, são pobres, renegados. Mesmo assim lutam por nossa sociedade e nossa liberdade. É o destino, não é? Eles estão lá no fundo do poço e sabem disso. Talvez por isso mesmo chamem a si mesmos de porcos, porque um porco pode aguentar qualquer coisa. São os melhores homens que já vi, vó, são a base da América.”

É curioso notar que a inocência de Chris vai se perdendo a cada passo dado para dentro do Vietnã. Seu idealismo juvenil vai sendo golpeado na medida em que tanto colegas de pelotão, quanto vietnamitas, caem ao chão. “Eu só queria viver anônimo como todo mundo, dar minha parte pelo meu país, fazer o que vovô fez na Primeira Guerra e papai fez na Segunda. Bom, aqui estou eu, anônimo, é verdade, com pessoas também anônimas. A maioria vem do fim do mundo, pequenas cidades que você nunca ouviu falar.”

Chris, ao contrário dos soldados que o cercam, é um voluntário, seu patriotismo o moveu em direção a guerra, para estranheza dos seus colegas que contam os dias para a dispensa do combate.

— Ficava imaginando porque só os pobres iam para a guerra e os ricos não iam — diz Chris.

— Já entendi, o que temos aqui é um idealista. É preciso ser rico para pensar assim. Todo mundo sabe que o pobre sempre foi pisado pelo rico, sempre foi assim e sempre será — retruca um colega.

A obra musical Adagio for Strings de Samuel Barber intensificou o drama do filme.

Um detalhe do pelotão do qual Chris faz parte é a relação conflituosa entre os sargentos Elias (Willem Dafoe) e Barnes (Tom Berenger), ambos antagonizando um com o outro e demonstrando posturas diametralmente distintas — o primeiro sendo muitas vezes apaziguador e o segundo agressivo. Em meio a isso, Chris e o pelotão, ambos envolvidos pela rivalidade desses dois homens. Aliás, a relação entre Chris Taylor, Barnes e Elias é uma alegoria para a luta interna entre o bem e o mal, a moralidade e o pragmatismo, que muitos soldados enfrentaram no Vietnã. Esta dualidade é explorada através de cenas intensas e confrontos emocionais, que culminam em momentos de tragédia e revelação. A morte de Elias é uma das cenas mais icônicas do filme e na qual toca ostensivamente o tema Adagio for Strings de Samuel Barber. A morte dele não só marca um ponto de virada na narrativa, mas também simboliza a derrota da moralidade diante da brutalidade implacável da guerra.

Um dos aspectos mais impressionantes da obra cinematográfica é seu aspecto imersivo, pois leva o expectador a sentir-se em meio a densas florestas do Vietnã, recheadas de vietnamitas, cobras, chuvas torrenciais e mosquitos. Aquilo que é mostrado daqueles que combatem gera dubiedade e confusão naquele que assiste. Ao contrário de muitos filmes que retratam a guerra, este leva o espectador a não sentir apreço por ela e muito menos a enxergar qualquer herói — apenas rapazes desiludidos, fatigados e ansiosos por retornar ao seu país.

O filme não apenas captura a guerra em si, mas também serve como uma crítica à política externa americana e à maneira como os soldados foram tratados, tanto no campo de batalha quanto ao retornarem para casa. Oliver Stone utiliza sua posição única como veterano e cineasta para pintar um quadro realista e, por vezes, perturbador, que ressoa profundamente com aqueles que viveram a guerra e com as gerações subsequentes que tentam entender esse período histórico.

A inocência de Chris (Charlie Sheen) vai se perdendo a cada passo dado no Vietnã.

 Assim como o já citado Apocalipse Now, de Francis Ford Copolla, e Nascido para Matar, de Stanley Kubrick, Platoon é um primoroso filme sobre a Guerra do Vietnã. Não é por acaso que após essa primeira experiência, Oliver Stone tenha produzido outros dois filmes sobre o mesmo tema, criando assim sua trilogia sobre essa guerra. Nascido em quatro de julho (1989), com Tom Cruise como protagonista, e Entre o céu e a terra (1993), com Tommy Lee Jones, foram as outras duas outras obras cinematográficas de Oliver Stone sobre o conflito. Os dois filmes são excelentes, mas, na minha opinião, não superam Platoon.

Oliver Stone é um diretor primoroso, ou foi, afinal faz tempo que não dirige nenhum bom filme, mas com Platoon criou algo que não apenas retrata a brutalidade da guerra, mas também explora as profundezas da alma humana em tempos de conflito extremo. Através de personagens complexos, uma narrativa envolvente e uma direção magistral, este filme permanece como um dos retratos mais poderosos e duradouros da Guerra do Vietnã no cinema.

O filme desafia o espectador a refletir sobre as consequências da guerra, tanto para os indivíduos quanto para a sociedade como um todo. É uma experiência cinematográfica que, mesmo décadas após seu lançamento, continua a ressoar e a provocar discussões sobre moralidade, liderança e a natureza da guerra. Para qualquer um interessado em cinema, história ou nos dilemas éticos que surgem em tempos de conflito, Platoon é um filme essencial, cuja relevância permanece inabalável. Como diz Chris em um de seus vários momentos de reflexão: “Penso agora, olhando para trás, que não lutamos contra o inimigo, lutamos contra nós mesmos, o inimigo era nós”

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