Crítica | A Prova de Morte, de Quentin Tarantino
À Prova de Morte é, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma subversão dos filmes grindhouse – para alguns uma obra ruim, para outros um filme excelente

À Prova de Morte (2007), dirigido por Quentin Tarantino, é uma obra audaciosa. Afinal, de uma maneira peculiar ele homenageia os filmes de perseguição e terror lá dos anos de 1970. A obra integra o projeto Grindhouse. Este projeto era composto por dois filmes: Planeta Terror, de Robert Rodriguez, e À Prova de Morte, de Tarantino. O objetivo dos dois cineastas, e amigos, era homenagear justamente esse tipo de filme chamado de grindhouse — e que eram basicamente produções de baixo orçamento, ou seja, filmes B, violentos, com tramas simples e personagens para lá de caricatos.

Todavia, o projeto não deu muito certo, a bilheteria foi ruim e este o filme que foi lançado em 2007 nos Estados Unidos só chegou aos cinemas brasileiros em 2010. É claro, em À Prova de Morte estão as marcas registradas de Tarantino: diálogos afiados, personagens marcantes e violência estilizada. Inclusive, isso cria uma obra que ao mesmo tempo celebra e subverte os clichês dos filmes B. Mas, mesmo assim, alguns consideram À Prova de Morte uma homenagem não muito boa, enquanto outros enxergam o filme como uma obra-prima do cinema de gênero — e eu me incluo nessa lista.  

Eu já havia assistido o filme anos atrás e resolvi revê-lo porque adquiri um livro chamado Quentin Tarantino, do crítico cinematográfico Paul A. Woods. Como é possível supor só pelo título, a obra fala sobre Tarantino, ou melhor, sobre a filmografia dele, incluindo análises, curiosidades e fofocas de bastidores. Assim, munido do livro e das mais variadas informações sobre os filmes do cineasta norte-americano, escolhi um filme para ver e comecei com À Prova de Morte.

Kurt Russell interpreta o psicopata Stuntman Mike.

O filme segue a história de duas gerações de mulheres que se tornam alvo do psicopata Stuntman Mike (interpretado por Kurt Russell), um ex-dublê que utiliza seu carro à prova de morte para aterrorizar e assassinar suas vítimas. A primeira metade do filme apresenta um grupo de mulheres que se cruzam com Mike em um bar. Ele, inicialmente amigável, logo se revela um predador cruel. Já na segunda parte do filme, o foco se desloca para outro grupo de mulheres — Zoë Bell (interpretada por ela mesma, uma dublê australiana da vida real), Abernathy (Rosario Dawson), Kim (Tracie Thoms) e Lee (Mary Elizabeth Winstead). Elas acabam sendo o próximo alvo de Mike. No entanto, desta vez, as mulheres não são tão indefesas quanto parecem.

Desde a abertura, À Prova de Morte abraça o estilo visual e narrativo dos filmes grindhouse. Para alguns pode parecer estranho, mas é tudo proposital: as marcas de deterioração da película, os cortes abruptos e a estética granulada. Tudo isso faz parte de um esforço de Tarantino para recriar a experiência de assistir a filmes de baixo orçamento.

Uma das características de Tarantino é que ele é conhecido por sua capacidade de recontextualizar e homenagear os filmes que o influenciaram, e aqui ele faz isso com um misto de reverência e irreverência. Em vez de simplesmente copiar os filmes de perseguição de carros da década de 70, ele os transforma em algo novo e contemporâneo, ao mesmo tempo que conserva seu charme vintage. As cenas de perseguição contam com uma tensão crescente que mantém o espectador na expectativa do desfecho que irá ocorrer.

Como de costume nos filmes de Tarantino, os diálogos são uma parte fundamental da narrativa. Eles são longos, mas sempre carregados de personalidade e nuances. Em À Prova de Morte, os diálogos entre as personagens femininas servem tanto para construir suas personalidades quanto para criar uma sensação de familiaridade e realismo em um contexto exagerado. A primeira metade do filme é quase inteiramente dedicada a essas interações — longas conversas em um bar, discussões sobre música e cultura pop, e pequenas provocações entre amigas.

Zoë Bell, Rosario Dawson, Tracie Thoms e Mary Elizabeth Winstead.

Stuntman Mike, interpretado pelo sempre excelente Kurt Russell, é uma das criações mais memoráveis de Tarantino. Ele é ao mesmo tempo carismático e perturbador, uma figura que combina humor sombrio com uma ameaça palpável. O personagem é uma clara homenagem aos vilões clássicos e caricatos, mas com a reviravolta tarantinesca surpreendente. Ele não é apenas um psicopata qualquer, mas alguém que claramente sente prazer na teatralidade de seus atos.

No entanto, o que realmente diferencia À Prova de Morte é a força de suas personagens femininas. No início elas podem parecer figuras típicas de filmes de terror, nada mais do que belas damas indefesas, mas ao longo da trama se revelam complexas e poderosas. Afinal, elas enfrentem Stuntman Mike e o derrotem em seu próprio jogo. A transformação de Mike de um assassino confiante para uma figura patética e desesperada nas mãos de suas vítimas é uma virada poderosa e simbólica.

As cenas de ação em À Prova de Morte são excepcionais. Em um mundo de efeitos especiais gerados por computador, Tarantino opta por perseguições de carros reais e ação prática, nada de fundo verde ou qualquer coisa assim. A sequência final, onde Zoë Bell realiza acrobacias em cima de um carro em movimento, enquanto Stuntman Mike as persegue, é angustiante e de tirar o fôlego. Tarantino, com a ajuda de Bell, entrega uma perseguição emocionante, remetendo aos clássicos de ação e sem depender de truques digitais.

Tarantino pilotando a câmera durante a gravação de uma das cenas do filme.

A violência, como em muitos filmes de Tarantino, é estilizada e exagerada. Porém, em À Prova de Morte, há uma divisão clara entre a brutalidade crua e o tom mais leve e humorístico do filme. Enquanto a primeira metade é mais sombria e intensa, a segunda parte tem um ar de vingança. Quando as mulheres se voltam contra Mike, a violência se torna quase uma celebração da justiça, oferecendo ao público uma vitória satisfatória e brutal sobre o vilão.

Além disso, o filme trata da obsessão de Tarantino pela cultura pop, com referências sutis (e algumas explícitas) a filmes, música e a estética dos anos 70. Cada cena parece estar imbuída de um conhecimento profundo do cinema de gênero, e parte da diversão de assistir ao filme vem de identificar, ou não, essas influências e referências.

À Prova de Morte é, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma subversão dos filmes grindhouse. Para os fãs de Tarantino, é uma obra indispensável que destaca o talento do diretor para transformar o cinema de gênero em algo novo e vibrante. Embora não seja tão amplamente reconhecido como seus outros filmes, como Pulp Fiction ou Kill Bill, À Prova de Morte oferece uma experiência cinematográfica única, onde diálogos brilhantes, personagens cativantes e ação visceral se misturam em uma celebração do cinema cult.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Bem-vindo ao Razão Cult

Se você gosta de filosofia, literatura e cinema, veio ao lugar certo. Aqui, você vai encontrar o melhor conteúdo sobre esses assuntos, redigido com esmero e a qualidade que todo leitor merece.

Redes sociais