Descubra como a filosofia deixou as universidades para influenciar a cultura pop, inspirando desde filmes como Matrix até as músicas de Raul Seixas
A filosofia carrega um curioso estigma: de ser uma disciplina difícil, abstrata e repleta de livros densos. Porém, essa visão está distante da realidade. Faz tempo que a filosofia deixou de ser apenas uma disciplina destinada somente a acadêmicos, para ganhar também o mundo. Afinal, ela oferece uma série de ferramentas que ajudam a compreender quem nós somos e o realidade à nossa volta. E justamente por isso, cada dia mais ela tem saído dos espaços tradicionais, como universidades, sendo inserida no universo da cultura pop, ou seja, em filmes, livros e até mesmo músicas.
Desde os tempos dos antigos filósofos gregos, tais como Sócrates, Platão e Aristóteles, a filosofia tem como objetivo primordial entender a existência humana e buscar respostas a questões que consideramos como sendo de máxima importância. Assim, as reflexões acabaram envolvendo diversos campos como a ética, a política e, por que não, o entretenimento. Questões como “o que é o bem?”, “o que é real?” ou “o que significa ser livre?” são perguntas comuns de muitos filósofos. Mas que, naturalmente, acabamos vendo por aí em séries, diálogos em filmes, trechos de letras de músicas, além dos mais variados produtos da cultura pop.
É possível perceber que a filosofia, mesmo com seus autores e obras clássicas, encontrou pontes que a transformaram em um discurso acessível a todos os interessados. Na era da cultura pop, onde as boas histórias alcançam milhões ao falarem sobre temas de interesse geral, a filosofia encontra um terreno fértil para ser disseminada. Se a filosofia trabalha conceitos, na cultura pop essas ideias são trabalhadas em boas narrativas que atraem expectadores, leitores e ouvintes.
Cinema produzindo ficção e reflexão
O cinema, como sétima arte e forma de entretenimento, é uma das formas mais impactantes de comunicar ideias filosóficas. Há o impacto visual, sonoro, um pacote completo de experiências. Com isso, filmes tem a possibilidade que alcançar milhões no mundo todo. E algumas obras cinematográficas, para além da camada de diversão, alcançam o status de cult ao produzir reflexões profundas nos espectadores.
Um filme icônico e que serve de exemplo é Matrix (1999), das irmãs Wachowski. A obra explora questões como a natureza da realidade e do conhecimento. O filme ecoa ideias de Platão (com sua famosa alegoria da caverna), filósofos modernos como René Descartes (que questionou a confiabilidade de nossos sentidos) e textos provocativos como de John Pollock (como seu cérebro numa cuba).
Outro exemplo cinematográfico de peso é O Show de Truman (1998), obra estrelada pelo astro da comédia Jim Carrey. O filme reflete sobre a autenticidade da vida e da liberdade do indivíduo em uma sociedade de controle, até mesmo totalitária. O roteiro do filme produz reflexões éticas e existências que permitem um diálogo com o pensamento de autores como, por exemplo, Sartre ou mesmo Foucault.
Música e literatura como veículo de ideias
Falando em Sartre, outro campo vasto para a filosofia é o da literatura. Autores como o próprio Sartre e seu contemporâneo Albert Camus usaram do gênero romance como plataforma para tecer narrativas que dialogassem sobre ideias do campo do existencialismo e do absurdismo. Em O Estrangeiro, Camus explora o absurdo da vida, enquanto Sartre, em A Náusea, apresenta um protagonista que enfrenta o vazio existencial e o peso da liberdade.
Na música também há uma profunda conexão com a filosofia. Basta observar bandas como, por exemplo, Pink Floyd. Álbuns como The Dark Side of the Moon abordam questões sobre a alienação, o tempo e a mortalidade. Aliás, o rock progressivo, de forma feral, tem uma longa tradição de engajamento filosófico, seja nas letras ou mesmo na abordagem da música.
Mas, também não precisamos ir tão longe para falar de música e filosofia. O baiano Raul Seixas, antes de largar a faculdade, estudou filosofia e a influência dessa disciplina pode ser percebida em diversas músicas. Em Ouro de Tolo há um incessante tom de inconformismo com a situação social vivida, enquanto em Metamorfose Ambulante é possível uma conexão com a ideia de devir heraclitiano, de constante transformação.
A filosofia na era digital
Mas se a filosofia é pop, na atualidade não há local onde exista tanto espaço para expressividade de suas ideias quanto nas redes sociais. Memes que brincam com as ideias de diversos pensadores, desde os gregos como Platão até filósofos contemporâneos como Nietzsche, são encontrados com facilidade. Além disso, em plataformas como YouTube e Spotify há uma vasta gama de conteúdos de filósofos, professores e interessados sobre assuntos ligados a filosofia. Filósofos como o esloveno Slavoj Žižek e o brasileiro Luiz Filipe Pondé utilizam dos espaços dos ambientes digitais para interagir e dialogar diretamente com um público ativo e interessado em temas filosóficos.
Muitos pensam que a filosofia oferece respostas. Mas, pelo contrário, ela nos ensina a questionar, duvidar e oferece ferramentas para elucidar diversas questões. A cultura pop utiliza a filosofia sem que ela perca sua profundidade, como muitos podem achar. Pensar filosoficamente oferece uma capacidade de filtragem de dados e informações que nos chegam através de todos os meios.
Ao ser utilizada pela cultura pop, a filosofia não perde sua profundidade, como muitos podem achar. Na verdade, ela ganha relevância e se torna uma útil ferramenta de análise. Quando assistimos um filme, lemos um livro ou ouvimos uma música que discute ou se utiliza de conceitos comuns do campo da filosofia, acabamos praticando o exercício da crítica. E, nesse processo, ampliamos nossa capacidade de compreensão de nós mesmos e do mundo. Se a filosofia é pop, é fundamental que continue sendo para chegar a todos nós continuando a nos inspirar a pensar.
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