Uma leitura indispensável para quem busca histórias que equilibram intensidade emocional, crítica social, uma dose saudável de humor e um pouco do Rio de Janeiro
O Rio de Janeiro habita em diversas de minhas lembranças. Dos dias ensolarados nas praias de Icaraí, da água de cocô no Leblon, dos passeios nos mais variados museus, aos dias de minha infância brincando no apartamento de minha avó. Não que eu tenha vivido lá na Cidade Maravilhosa. Mas, caminhei como um turista profissional com minha câmera em punho fotografando os prédios históricos e ouvindo as histórias dos cariocas. Tanto carinho que desenvolvi por aquele pedaço de Brasil que encontrei na escrita de Martha Batalha um pouco do Rio de minhas memórias.
Em Chuva de Papel, Martha Batalha mais uma vez demonstra seu talento para tecer narrativas que transitam entre a tragédia e a comédia. Com isso ela revela personagens que, apesar de suas circunstâncias adversas, conseguem despertar empatia e reflexão. A obra conta a histórias de indivíduos que, à primeira vista, poderiam passar despercebidos, mas que guardam em suas vidas aspectos peculiares que valem à pena ser conhecidos.
Tal como nos livros anteriores, Martha Batalha ambienta o enredo de Chuva de Papel no Rio de Janeiro. Um Rio pulsante e multifacetado, onde o cotidiano dos personagens se entrelaça com os cenários marcantes da cidade. Fazendo do próprio Rio de Janeiro um personagem da história. Sempre presente também está o humor ácido e a escrita fluida, que tornam a leitura ao mesmo tempo envolvente e provocadora.
A autora reflete sobre temas como solidão, envelhecimento, os limites da resiliência e o impacto das escolhas individuais em um mundo que raramente se molda às nossas expectativas.
Joel, um dos protagonistas centrais, simboliza a luta diária de quem vive no Rio. Ex-repórter, já velho e acabado, ele encara a decadência de sua carreira e de sua vida pessoal com uma dose de humor amargo e uma percepção única do mundo ao seu redor — a história toda começa com uma fracassada tentativa de suicídio da parte dele.
Além dele, há outras duas personagens incrivelmente interessantes. A primeira delas é Glória, uma mulher pragmática e dona de um espírito resiliente — demonstrado com sua arte de fazer empadões para sustentar a casa. Ela se destaca como um contraponto fascinante ao protagonista. A convivência forçada entre os dois em um pequeno apartamento, durante a pandemia de Covid-19, é retratada com um equilíbrio magistral entre humor e sensibilidade. E revela as nuances da solidão e da necessidade humana por conexão, ainda mais em grandes metrópoles tão povoadas de rostos anônimos.
A outra personagem que chama atenção é Aracy. Ela simboliza a adaptação e a capacidade de encontrar pequenas felicidades em um ambiente muitas vezes hostil. Sua relação com os cachorros da raça chihuahua e sua maneira de lidar com as adversidades trazem momentos de leveza. E, ao mesmo tempo, destacam a luta silenciosa de tantas mulheres que sobrevivem às margens de uma sociedade que frequentemente as ignora — um tema comum dos livros de Martha Batalha.

Chuva de Papel traz camadas de significado que convidam o leitor a mergulhar mais fundo nas questões apresentadas. A autora reflete sobre temas como solidão, envelhecimento, os limites da resiliência e o impacto das escolhas individuais em um mundo que raramente se molda às nossas expectativas.
Ao final, não é apenas um livro sobre pessoas e suas histórias, é também uma celebração da arte de escrever e de capturar a vida em toda a sua complexidade, com suas alegrias e tristezas, contradições e paradoxos. Martha Batalha entrega uma obra que não só diverte, mas também convida o leitor a olhar para si mesmo. Uma leitura indispensável para quem busca histórias que equilibram intensidade emocional, crítica social, uma dose saudável de humor e um pouco do Rio de Janeiro.
Título: Chuva de Papel
Autora: Martha Batalha
Publicação: 2023
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 224
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