Em entrevista ao blog Razão Cult, o psicólogo José Henrique fala de psicoterapia, cultura nerd, influências literárias e seu primeiro livro de poesia Entre Eus
A escrita pode ser uma forma de desabafo, virar poesia, ser uma ferramenta terapêutica ou um canal de expressão criativa. Para José Henrique, psicólogo e escritor, ela é tudo isso e muito mais. Em sua jornada literária, ele encontrou na poesia um espaço de liberdade, onde pode explorar suas inquietações, sua visão de mundo e suas influências filosóficas e psicanalíticas.
Nesta entrevista, conversamos sobre seu processo de escrita, sua relação com a psicologia e a literatura, e como a cultura nerd também influencia seu olhar sobre a vida. Além disso, falamos sobre seu recém-lançado livro de poemas, Entre Eus, e sobre os desafios e inspirações que moldam sua trajetória como autor.
Confira abaixo a entrevista completa!
Quando começou seu interesse pela literatura?
Acredito que por volta dos meus 15/16 anos, quando lia sobre filosofia nos livros didáticos e tive contato com Aristóteles, Platão e sua épica Alegoria da Caverna, além de Marilena Chauí e sua abordagem filosófica de linguagem simples e direta. No entanto, foi durante a graduação, por volta de 2011, que meu contato com a literatura se tornou muito mais intenso e presente, devido à rotina de estudos, que me proporcionou o acesso a outros tipos de leitura.
E desde quando você produz textos literários?
Bem, desde os meus 12/13 anos, mais ou menos. Mas acredito que esse hábito se tornou mais marcante a partir de 2016, quando me mudei para a cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, após perder as esperanças de construir meu futuro em Minas Gerais. Hoje, com um pouco mais de conhecimento básico em psicologia, percebo o quão ansioso fiquei ao chegar em SC, por não conseguir lidar com a distância da minha família e por estar, literalmente, em outro estado, aprendendo sobre uma nova cultura. Era como se eu fosse um camaleão, me adaptando a cada esquina para aprender a sobreviver. Pois bem, a escrita surgiu como uma forma de desabafo e, em outros momentos, como uma manifestação de indignação, demonstrando, às vezes, meus “infernos internos” e tentando “dar nome aos bois”. Assim, segui escrevendo algumas crônicas e textos livres, sem um direcionamento específico, apenas colocando os sentimentos para fora. Como costumo dizer no setting terapêutico, era como se estivesse “vomitando tudo” na escrita.
Certo, mas sua formação é em psicologia, não é?
Sim! Sou formado em Psicologia pela UNIDAVI de Rio do Sul – SC. Tenho duas especializações, uma em Neuropsicopedagogia e outra em Psico-oncologia. Além disso, iniciei mais uma especialização no final de dezembro de 2024, desta vez em Gamificação na Educação.

E você atua na área?
Sim! Atuo desde o final de 2021 e, até o momento, há três anos, de forma online, trabalhando em home office.
Enquanto psicólogo, como você conecta a prática dos atendimentos psicoterápicos com a escrita?
Dentro da psicologia, utilizo a escrita terapêutica como ferramenta para auxiliar o paciente a expressar o que pensa e sente, especialmente quando tem dificuldade em nomear o que o atordoa. Um detalhe muito importante é que o paciente possa escrever sem nenhum tipo de julgamento, literalmente sem filtro algum — como se preparasse um café sem coador, deixando tudo fluir de forma crua e autêntica.
A escrita tem um papel fundamental na descrição de problemas, situações ou desconfortos. Os pacientes relatam o quão aliviados se sentem após colocar seus pensamentos no papel, além de perceberem que esse processo os ajuda a ressignificar conceitos pessoais e crenças centrais. Isso permite uma melhor compreensão de si mesmos e da posição que ocupam em suas relações.
Além disso, a escrita estimula a criatividade e favorece outras formas de resolver o mesmo problema. Sempre reforço a importância de olhar para si mesmo sob outra ótica, usando a escrita como ferramenta. O mais interessante são os insights que os pacientes têm ao longo desse processo, pois começam a entender melhor alguns dos motivos de suas frustrações e determinados padrões de comportamento.
O livro de poemas Entre Eus, lançado agora em 2024, é sua primeira obra? Ou você já teve alguma outra publicação?
Como obra individual, sim, Entre Eus é minha primeira publicação. O livro de poesia foi publicado através da Prosacult, editora do amigo Johan Henryque. No entanto, já participei de duas antologias nacionais do Poetize, em 2021 e 2022, através de uma seleção nacional de poesia do Brasil. Foram quase 5.000 inscrições, e os organizadores tinham que escolher os 150 melhores. Fui um dos selecionados nos dois anos de publicação, o que foi uma grande honra para mim.
Por que resolveu escrever poemas?
Porque acredito que a poesia é uma forma de escrita mais livre, onde posso ser exatamente quem sou. Literalmente, me sinto em casa. Sem muitas regras, filtros ou normas, a poesia é um espaço onde não preciso me espremer para caber.
Além disso, sempre gostei de brincar com as palavras, inventar e deixar minha criatividade fluir. A poesia, nesse sentido, caiu como uma luva para o meu processo de escrita. Tenho dois autores que admiro bastante e que me ajudaram a mergulhar de cabeça na poesia: um grande colega, artista independente e escritor de Minas Gerais, Tokinho Carvalho, e o icônico Charles Bukowski. São inspirações que levarei para o resto da vida. Ambos são escritores totalmente fora da curva, sem apego a rimas tradicionais, autênticos, sarcásticos e irônicos. Bem, acredito que isso já diz muito sobre a minha maneira de escrever rsrs.

Freud é uma influência? Afinal, no seu livro de poemas, você deixa transparecer uma influência psicanalítica em alguns textos.
Ah, com toda certeza! Freud é o pai da psicanálise, e gosto muito da visão que ele tem sobre o mundo e sobre o ser humano. Conceitos como inconsciente, associação livre, recalque, deslocamento, significante e significado (este último mais relacionado a Lacan) estão fortemente presentes na minha escrita. Além disso, a ironia e o sarcasmo, tão característicos da psicanálise, permeiam cada linha e página do meu livro.
E há outros psicanalistas, psicólogos ou mesmo intelectuais que são referências ou influências para você?
Ah, tenho uma lista enorme! Mas citarei alguns que foram – e ainda são – muito importantes para mim.
No campo da filosofia, gosto bastante de Luiz Felipe Pondé, Leandro Karnal, Mário Sérgio Cortella, Byung-Chul Han, Martin Heidegger, Arthur Schopenhauer, Jean-Paul Sartre e Pedrinho Guareschi, entre outros.
Já na área da psicologia e psicanálise, minhas referências incluem Jacques Lacan, Christian Dunker, Roberta Ecleide, Sigmund Freud, Viktor Frankl, Carl Rogers e Alfred Adler, para citar alguns.
Além deles, também me inspiro em escritores e pensadores como George Orwell, Mark Manson e Michel Foucault. E a lista segue…
Como é o seu processo de escrita? Você tem uma rotina? Faz anotações de ideias para depois transformá-las em textos?
Geralmente, a noite é minha melhor companhia, principalmente a madrugada, sempre acompanhada de uma boa xícara de café com leite e alguma música de fundo. Mas é estranho e, ao mesmo tempo, interessante perceber como as minhas relações e as “merdas” do cotidiano fazem parte desse processo criativo. Minha cabeça não para de ter ideias, o que, por um lado, é ótimo, mas, às vezes, pode ser angustiante. É por isso que a escrita se tornou uma ferramenta essencial para mim.
A angústia, o vazio existencial e alguns questionamentos pessoais sobre a vida, o cotidiano e aspectos mais íntimos do meu ser são a matéria-prima de quase 100% dos meus escritos. Nunca escrevi sobre algo “bonitinho” ou rimado, pois não me identifico com essa estética e me sinto totalmente desconectado dela. Digamos que minha escrita tem uma pegada mais Søren Kierkegaard, com um pouco de Franz Kafka e problemas existenciais misturados a algumas indignações à la Sartre.
Quando tenho alguma ideia ou insight, geralmente envio uma mensagem para o meu próprio contato no WhatsApp ou abro o Google Docs no celular para registrar. As poesias que publico nos stories do Instagram são sempre espontâneas, sem muito planejamento. Mas, se tenho um projeto maior em mente, aí preciso me organizar melhor: separo o material que quero estudar, as referências que utilizarei, elaboro um cronograma de estudos e, por fim, estruturo a escrita.

Nas redes sociais, você se define como “psicólogo nerd”. A cultura nerd também tem alguma influência na sua escrita? Afinal, muito desse universo é formado por histórias – sejam animes, jogos, quadrinhos ou mangás.
Com toda certeza! O mundo nerd é fantástico, e sempre tiro bastante proveito disso – até como fonte de inspiração. Animes, jogos e séries são extremamente ricos ao retratar problemáticas do cotidiano, explorando questões morais e éticas de maneira descarada, sutil e, às vezes, até literal.
Além disso, a cultura nerd trabalha muito bem temas subjetivos relacionados ao ser humano. Fora a construção psicológica dos personagens, que eu acho surreal e fantástica! Tudo isso acaba me trazendo diversos insights para a criação de personagens, desenvolvimento de backgrounds e novas histórias.
Psicologia, cultura nerd e literatura são universos bem vastos. Como você conecta tudo isso enquanto escritor?
Acredito que, se pudesse resumir em uma palavra, seria linguagem.
A linguagem é o meio que simplifica, desfragmenta e facilita (ou deveria facilitar) o entendimento sobre qualquer coisa. Ela é mutável, pode se enroscar em si mesma e, ao mesmo tempo, se alinhar perfeitamente.
Minha escrita é sobre nós, enquanto seres em (des)construção. E tudo isso – psicologia, cultura nerd e literatura – faz parte do meu processo criativo, seja nas minhas publicações no Instagram, poesias, textos, reflexões, analogias e associações entre o mundo nerd e a psicologia. Tudo isso é feito através da linguagem.
Papo reto: três escritores favoritos.
Ahhh, essa pergunta é sacanagem haha! Mas, simbora:
Mário Sérgio Cortella
Jean-Paul Sartre
Carl Rogers
E três livros de cabeceira?
A Revolução dos Bichos – George Orwell
A Sutil Arte de Ligar o Foda-se – Mark Manson
Por que Fazemos o que Fazemos? – Mário Sérgio Cortella
Deixe um comentário