A liberdade tem sido um tema constante de grandes livros da literatura, filmes e obras filosóficas, evidenciando o quanto essa questão é fundamental para todos
Terminei de ler esses dias On the Road, de Jack Kerouac. E, minha nossa, que livro! Sal Paradise e Dean Moriat foram sem dúvida uns dos personagens mais loucos com quem trombei em todos esses anos como leitor.
Mas, não é disso que realmente quero falar, sobre essas duas figuras singulares. O que de verdade desejo comentar é o seguinte: quando terminei de ler a obra, e também durante muitas partes dela, senti um curioso desejo de largar tudo e fugir. Sim, sim, abandonar essa vida e me perder por aí. Algo até mesmo clichê, para falar a verdade. Mas realmente tive esse desejo de comprar um carro velho e sumir no mundo, feito um doido, feito eles no livro, e viajar pelos lugares mais loucos.
Poucos livros, aliás, conseguiram gerar tal impacto sobre mim. No momento não consigo me lembrar de mais nenhum. Poderia citar Na Natureza Selvagem, mas não li o livro, somente assisti o filme uns anos atrás. Aliás, a título de curiosidade o vi com um amigo. E a impressão de tal obra cinematográfica, com seu protagonista Alexander Supertramp, foi poderosa em nós. Tanto que ao terminar o filme ele, meu amigo, me olhou empolgado e fez o convite de embarcarmos no velho Gol dele, não rumo ao Alasca, feito o personagem no filme, mas pelo menos até a Pagônia.
Com tudo isso então fico me questionando do porque disso. Desse desejo humano de fuga. Qualquer pessoa sensata — lê-se “socialmente acomodada” — diria que isso é coisa de um bando de doidos. Como não sou sensato, prefiro dizer que não, não representa algo insólito a vontade de evasão do mundo, ou para o mundo, existente, se não em todos, mas pelo menos em muitos, nem que somente uma vez na vida. Afinal tais relatos, seja na obra de Jack Kerouac ou mesmo na história do rapaz do Ônibus Mágico, enfocam, pelo menos ao meu ver, justamente a busca pela liberdade. Do quê? Dessa, em alguns momentos sufocante, vida em sociedade. Com suas filas de banco, os compromissos, o corre-corre, a burocracia ou mesmo engessamento dentro de padrões de conduta.
Estar em contado com os personagens de tais obras, penso eu, é colocar-se em contato, não com algo insano, e não que não seja, mas justamente parte daquilo que repreendemos e deixamos de expor ao longo do dia a dia. Mesmo porque as amarras sociais também não permitiriam que alguém a luz do dia agisse como eles sem ser visto como alguém marginalizado e fora dos ditos bons costumes — se é que é possível ainda se definir o que é bom costume na nossa sociedade de grande variedade cultural com seus diversos hábitos e modelos distintos. Não por acaso que tudo isso me faz lembrar também de Rousseau, do bom Rousseau que tanto desprezara, mesmo envolvido nela, a sociedade.
Não por acaso que isso faz me lembrar do apelo dele ao bom selvagem, ao homem em estado de natureza, livre das amarras da civilização, podendo caminhar indistintamente na direção que assim desejasse. É algo belo tal ideia. Da mesma forma como a obra de Jack Kerouac ou a aventura do rapaz de Na Natureza Selvagem. Sem dúvida é belo e capaz de acalentar os mais tenros desejos de uma felicidade livre e pura, diluída das impurezas e vícios que a vida coletiva “enxerta” no coração de cada homem e mulher dia após dia.
Em contrapartida, por mais que tenha vibrado com o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens, de Rousseau, tenha sonhado em colocar o pé na estrada num calhambeque velho ou mesmo, quando meu amigo, depois de vermos o filme sobre o jovem Supertramp, tenha me convidado a partirmos numa louca jornada em direção a Patagônia, e eu tenha me sentido inclinado a aceitar, ainda sim, isso me soa utópico demais.
É perfeito para que alguns indivíduos, ou mesmo muitos, vivam essa experiência. Mas o desejo por viver igualmente o que esses personagens viveram nessas obras — por mais que essas histórias se baseiem em relatos verídicos — é algo excentricamente louco. Por quê? Bem, primeiro porque se desejar ser algo que não se é fere a autenticidade. Mas também nem tanto por isso. Pode-se dar o fora sendo único, singular. A questão é que, quem sabe, pela dependência que cada um, filho da sociedade, tenha dela o abandono de tudo — trabalho, família, hobbies, círculos sociais — em prol do cultivo de uma bucólica, ou viajando por aí simplesmente aproveitando a vida, não seja tão simples. Mas isso também, como tudo aqui, são apenas reflexões que beiram muito mais a especulações.
Pensando bem, da mesma forma como evoquei a literatura, tanto quanto a filosofia na figura de Rousseau, evoco uma vez mais a segunda e penso que talvez tudo seja assim por uma questão de contrato social. Mas isso, bem, é assunto para outro texto.
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