No livro A Cura de Schopenhauer, Irvin D. Yalon utiliza da literatura e da psicoterapia para explorar as ideias do filósofo alemão
Quando eu tinha 17 anos e andava entediado com a vida, acabei me deparando com um livro curioso. Eu caminhava entre as estantes da biblioteca pública, sem saber qual livro escolher, até que um me chamou muito a atenção. Tinha uma capa em cores mortas, como o cinza e o preto, e que contrastavam com um amarelo vivo e intenso. Curiosamente, na composição da capa, era possível ver dois sapatos sobre a areia, com os pés do possível dono se elevando em direção aos céus. O autor da obra se chamava Irvin D. Yalom, e o nome do livro era A Cura de Schopenhauer. Quando vi aquela capa e aquele título, fiquei curioso. E movido pela curiosidade, peguei esse livro e o levei para casa para ler. Afinal, queria muito saber que cura era essa.
Confesso que naquela primeira leitura acabei lendo o livro aleatoriamente, ou melhor, desprezando a estrutura linear da história em favor da leitura única e exclusiva dos capítulos que falavam sobre Schopenhauer. Mesmo porque todos os capítulos iniciavam com uma frase marcante do filósofo. E o livro mesclava duas linhas narrativas e em uma delas se falava exclusivamente do filósofo alemão e sua filosofia. E graças a isso, tive a chance de conhecer um esboço das ideias de Schopenhauer.
É preciso lembrar que A Cura de Schopenhauer não é um livro de filosofia, mas sim de literatura. E que, muito mais do que isso, a obra traz um misto de literatura, filosofia e psicoterapia.
Mas, afinal de contas, quem foi ele? Ou melhor, o que ele pensava? Arthur Schopenhauer (1788-1860) é uma figura central na filosofia do século XIX. Ele é talvez mais conhecido por seu pessimismo radical e sua visão de que o sofrimento é uma parte intrínseca da vida humana. Schopenhauer acreditava que a vontade humana – o desejo incessante e insaciável de satisfazer nossos desejos e necessidades – é a raiz de todo sofrimento. Segundo ele, a vida é essencialmente uma batalha contra essa vontade, uma luta que estamos destinados a perder, pois, ao satisfazermos um desejo, outro surge em seu lugar, perpetuando um ciclo interminável de insatisfação.
É claro, no livro de Irvin D. Yalom toda essa discussão acerca da filosofia de Schopenhauer é pontuada por relatos da vida dele: o fato de ele ter vindo de uma família rica, a mãe dele ter se tornado uma romancista famosa e o amargor pessoal que viveu o filósofo por não ter sido reconhecido como um grande intelectual — ocorrendo o esperado reconhecimento somente no final da vida. Tudo isso traz um colorido para a leitura, porque distância o texto que qualquer possível aridez teórica, algo por vezes comuns em textos filosóficos.
Mas é preciso lembrar que A Cura de Schopenhauer não é um livro de filosofia, mas sim de literatura. E que, muito mais do que isso, a obra traz um misto de literatura, filosofia e psicoterapia. Sim, psicoterapia. Afinal, Irvin D. Yalom, que é psiquiatra e psicoterapeuta por formação, usa as ideias do filósofo como uma lente através da qual seus personagens analisam suas próprias vidas em um grupo de (adivinhe!) terapia.
A história do livro é a seguinte (e só li a história depois de ter lido inúmeras vezes os capítulos sobre Schopenhauer:) o protagonista, Julius Hertzfeld, é um terapeuta veterano que recebe um diagnóstico de câncer terminal. Confrontado com a finitude da vida, Julius começa a revisitar suas escolhas e o impacto que teve na vida de seus pacientes. Em um momento de introspecção, ele se lembra de Philip Slate, um paciente de anos anteriores que ele considerava incurável. Philip, uma pessoa emocionalmente distante e obcecada por sexo, havia terminado a terapia sem mostrar sinais de melhora, o que Julius sempre considerou uma falha em seu trabalho.
Schopenhauer acreditava que a vontade humana – o desejo incessante e insaciável de satisfazer nossos desejos e necessidades – é a raiz de todo sofrimento. Segundo ele, a vida é essencialmente uma batalha contra essa vontade, uma luta que estamos destinados a perder, pois, ao satisfazermos um desejo, outro surge em seu lugar, perpetuando um ciclo interminável de insatisfação.
Decidido a buscar algum tipo de resolução, Julius localiza Philip e descobre que ele agora se considera “curado” através do estudo da filosofia, especificamente a obra de Arthur Schopenhauer, o filósofo alemão conhecido por seu pessimismo radical. Philip, em um paradoxo irônico, afirma que foi o próprio desprezo de Schopenhauer pela vida e suas teorias sobre o sofrimento universal que o libertaram de suas compulsões.
Curioso e cético, Julius convida Philip a se juntar ao seu grupo de terapia semanal, não como paciente, mas como um observador, acreditando que isso pode ser benéfico para ambos. O grupo, que já lidava com seus próprios dramas e desafios, se torna o palco onde as ideias de Schopenhauer e a psicoterapia moderna entram em confronto. Além de que com isso uma série de temas centrais que permeiam a condição humana são explorados profundamente: o medo da morte, o arrependimento, a busca pelo sentido da vida, e a batalha incessante entre a razão e a emoção.
Certo, mas a seguinte pergunta ainda permanece: como isso faz da filosofia schopenhaueriana um balsamo capaz de curar alguém? Ou, que tipo de cura oferece? Ou ainda, como oferece? Bem, para responder essas questões é essencial voltar novamente aos princípios centrais do pensamento de Schopenhauer, principalmente da maneira como é apresentado no livro de Irvin D Yalom. Schopenhauer acreditava que a vida é dominada por uma “vontade” cega e irracional, uma força interna que nos impulsiona a desejar constantemente, sem nunca alcançar a satisfação completa. Esse ciclo incessante de desejos, segundo Schopenhauer, é a fonte de todo sofrimento humano. Assim, para ele, a única maneira de escapar desse ciclo de dor é através da renúncia à vontade, aceitando o sofrimento como inerente à condição humana e buscando refúgio em práticas que acalmam à vontade, como a arte, a filosofia, e a contemplação estética. Não por acaso o próprio filósofo era praticante da música, tocando flauta e admirando a música do compositor italiano Gioachino Rossini.
Dado tudo isso, é possível voltar ao contexto do livro de Yalom. Na obra, o personagem Philip Slate adota a filosofia de Schopenhauer como um meio de se “curar” de suas compulsões sexuais e de sua insatisfação crônica com a vida. Ou seja, ele adere a filosofia como uma cura para os problemas da alma. Afina, a acredita que, ao aceitar o pessimismo radical de Schopenhauer, pode evitar o sofrimento emocional que outrora o atormentava. De certa forma, ele encontra uma forma de paz ao se distanciar dos desejos que antes o consumiam.
A cura proposta por Schopenhauer não é uma cura no sentido tradicional de bem-estar ou felicidade. Em vez disso, é uma cura que envolve aceitar as limitações e as dificuldades da vida sem lutar contra elas. É uma cura pela renúncia.
Contudo, essa “cura” é ambígua. Embora Philip encontre um certo alívio em sua nova visão de mundo, ele também se isola emocionalmente, perdendo a capacidade de se conectar de maneira significativa com os outros. Schopenhauer propunha que o sofrimento é inevitável e que a felicidade é ilusória; portanto, a paz verdadeira só poderia ser encontrada na resignação e na aceitação da dor como parte integrante da vida. Para Philip, essa resignação leva a uma forma de desapego que o protege da dor, mas também o impede de experimentar as alegrias e os prazeres que vêm com as relações humanas.
Então, a filosofia de Schopenhauer pode curar? Depende do que se entende por “cura”. Se a cura for vista como a eliminação do sofrimento emocional através do desapego e da resignação, então, sim, a filosofia de Schopenhauer pode oferecer uma espécie de alívio. No entanto, essa cura é, na melhor das hipóteses, incompleta. Ela pode aliviar a dor ao reduzir as expectativas e os desejos, mas ao custo de uma vida emocional rica e envolvente, coisa que tanto o fictício personagem Philip experiencia na obra de Irvin D. Yalom, quando o próprio Schopenhauer experienciou na vida pessoal dele, afinal foi um homem um tanto quanto solitário.
A cura proposta por Schopenhauer não é uma cura no sentido tradicional de bem-estar ou felicidade. Em vez disso, é uma cura que envolve aceitar as limitações e as dificuldades da vida sem lutar contra elas. É uma cura pela renúncia. Para alguns, essa abordagem pode trazer paz, mas para outros, pode parecer uma forma de desistência ou de negação das potencialidades da vida. Nietzsche, por exemplo, rejeitava a ideia de que o sofrimento deveria ser evitado ou suprimido e, em vez disso, propunha uma visão afirmativa da existência, na qual o sofrimento e a dor são partes inevitáveis, mas também essenciais ao crescimento, a criatividade e a realização humana.
Portanto, enquanto a filosofia de Schopenhauer pode proporcionar uma forma de cura ao oferecer uma perspectiva sobre o sofrimento, ela também impõe uma visão da vida que pode ser difícil de aceitar para aqueles que acreditam no potencial de alegria e realização através da conexão humana e da busca por significado. A cura, nesse sentido, é tanto uma bênção quanto uma maldição, dependendo de como se vê a vida e o que se espera dela.
E tudo isso fica muito claro no livro. Afinal, uma visão de uma vida resignada e solitária talvez não combine muito bem dentro de um grupo de terapia, no qual as pessoas além de exporem suas fragilidades, ao se expor conectam-se umas com as outras. Tal como acontece em sociedade. Indivíduos repletos de anseios, sonhos, trilhando os mais variados caminhos, mas inevitavelmente convivendo uns com os outros e com isso estabelecendo elos que os conectam. O reconhecimento do sofrimento como sendo parte da existência humana é algo inevitável, e até mesmo necessário como mostra de maturidade. Mas é redundância considerar que essa perspectiva encerra os problemas humanos. Como demonstrando na história, as coisas são bem mais complexas.
Na época comprei o livro para o ler novamente quando (olhem só) precisei ajudar um amigo que passava por profundos problemas pessoais e que por isso sofria de forte angústia existencial. Enquanto este amigo buscava em mim apoio e algumas palavras de consolo, eu buscava em Schopenhauer e no grupo de terapia de Julius Hertzfeld ideias de como eu poderia ajuda-lo.
De todo modo, as lições de Schopenhauer são válidas e provocativas. Não é por acaso que na minha adolescência eu tenha sido tão tocado pelas ideias desse alemão rabugento — e depois fosse ler O Mundo como Vontade e Representação, além de diversos ensaios e textos sobre a filosofia dele. Confesso também que aquela foi apenas a primeira das várias leituras que fiz deste livro de Irvin D. Yalon. Peguei aquele exemplar para ler na biblioteca municipal, tempos mais tarde comprei uma versão de bolso na livraria da faculdade, presenteei um amigo com essa cópia e até ouvi uma versão em audiolivro. O exemplar que tenho hoje de A Cura de Schopenhauer foi adquirido faz tempo em um sebo. Na época comprei o livro para o ler novamente quando (olhem só) precisei ajudar um amigo que passava por profundos problemas pessoais e que por isso sofria de forte angústia existencial. Enquanto este amigo buscava em mim apoio e algumas palavras de consolo, eu buscava em Schopenhauer e no grupo de terapia de Julius Hertzfeld ideias de como eu poderia ajuda-lo.
Vale dizer que meu amigo superou seus problemas. E meu exemplar adquirido há mais de uma década segue na minha estante ao lado de outros livros de Irvin D. Yalom. Aliás, comentei que naquela primeira vez que peguei o livro para ler em todos os capítulos, logo na abertura, havia uma frase marcante de Schopenhauer, muitas delas excelentes. Mas teve uma que quando li, até hoje não me saiu da cabeça: devemos encarar com tolerância toda loucura, fracasso e vício dos outros, sabendo que encaramos apenas nossas próprias loucuras fracassos e vícios.
Título: A Cura de Schopenhauer
Autor: Irvin D. Yalom
Editora: Ediouro
Páginas: 336
Ano: 2005
Deixe um comentário