Resenha | Confissões de um poeta marginal, de Douglas Zunino
Entre versos e bebedeiras, o poeta Douglas Zunino apresenta sua autobiografia e, com ela, confissões que revelam um olhar sobre a sua vida e o seu tempo

Todos têm uma história própria. Uma história de vida. E qualquer um que tenha vivido muito e as mais diversas coisas têm muito o que contar. Uma autobiografia é isso, alguém relatando sobre si mesmo. Ou em outros termos, é uma biografia escrita pelo próprio biografado. Como complemento dessa maneira de se fazer literatura a autobiografia faz uso de confissões, cartas, memórias. De todo modo, esse tipo de escrita tem uma característica peculiar: é a visão de uma pessoa específica em relação a si mesma e à realidade circundante a ela.

E sendo assim é interessante se deter sobre a leitura das Confissões de um Poeta Marginal — narrativa do poeta Douglas Zunino sobre sua própria vida, ou seja, uma biografia. Afinal, ao longo dos capítulos de sua obra ele revisita aquilo vivido por ele em um pouco mais de meio século. E assim revela muito, não somente sobre si mesmo, mas também sobre justamente o mundo no qual ele viveu e como ele o enxergou.

Filho adotivo, desde jovem teve uma vida contrastante com o meio em que esteve inserido. Afinal de contas, desde pequeno com outros moleques jogava bola sonhando ser jogador de futebol, bem provável que jamais imaginando que se tornaria um poeta. Na juventude, ou melhor, ainda na adolescência, ao mesmo tempo em que era um operário assalariado usava o salário para comprar livros, discos de vinil dos mais variados e até uma máquina de escrever — distinguindo-se dos colegas de empresa. Lia Maiakóviski ao som de Vivaldi ou Beethoven, da mesma maneira que ensaiava os primeiros poemas. É de se supor que sua veia poética tenha surgido inclusive por isso, pela necessidade de expressar sua inadequação com o meio no qual vivia, além de suas próprias contradições internas.

Durante o auge de sua juventude, nos anos 80, da mesma forma como ao longo dos anos, participou ativamente de toda uma vida cultural, fosse estabelecendo um movimento poético, participando ativamente de uma militância política, fundando um jornal cultural ou mesmo estando engajado na criação de um movimento musical. Como todo artista, deixa claro em suas Confissões que teve uma vida oscilante e, naturalmente, os mais variados empregos. Como Charles Bukowski, uma de suas inspirações, trabalhou como carteiro. Oscilou assim entre os momentos de iluminação, durante a escrita de seus poemas, e aqueles de bebedeira com um copo de cerveja na mão.

O que cabe ressaltar sobre essas Confissões é que por mais que se trate de uma narrativa sobre si mesmo, a partir de si, nas entrelinhas, consegue estabelecer uma curiosa análise da sociedade e das transformações pelas quais ela passou. Ou seja, como toda boa autobiografia, ele consegue estabelecer uma visão cativante sobre si mesmo e sua poesia. E da mesma forma sobre os mais variados contextos nos quais esteve mergulhado.

Dessa maneira, torna-se fascinante ler um livro como esse. Afinal, acaba não sendo apenas uma longa narrativa pessoal sobre a vida de alguém, que vai da infância, passando pela juventude e chegando à maturidade. Pois, muito mais do que se deter nos fatos, há reflexões e pausas. Entre os capítulos são vistas diversas fotos que ajudam a ilustrar aquilo descrito por Zunino. Desde fotos de família, com amigos, até locais como a universidade. E muito mais do que isso, há os poemas de cunho próprio. Uma série imensa de poemas que recheiam o escrito, poemas de toda uma vida, sem dúvida os melhores, espalhados ao longo da autobiografia.

Dessa maneira essas Confissões, essa autobiografia, se faz por um relato que recorre a velhas memórias. Entre uma e outra história, algumas estapafúrdias, é de se desconfiar da verossimilhança contida no relato, afinal em determinados momentos beira a ficção. Todavia, fato ou não, a história, pensando no todo, oferece tanto diversão quanto surpresas, da mesma forma como dramas pessoais. Toda uma humanidade, em erros e acertos, revelada ali pelo próprio poeta.

Quanto ao marginal expresso no título da obra, lendo tal história fica claro seu sentido. Em um mundo de tantos contrastes, muitas vezes hostil, tanto os poemas de Zunino quanto suas próprias Confissões revelam um apreço pelo indivíduo e uma estima por todos aqueles que se encontram à margem, que simplesmente não se encaixam em padrões estabelecidos.

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